segunda-feira, 4 de abril de 2016




  A ansiedade das escolhas



             A nossa vida norteia entre escolhas, tanto pessoais quanto profissionais e elas tem algo simples que a gente não admite: escolher é abrir mão de alguma coisa, queremos tudo e não podemos, afinal, nada pode tudo na vida. O bom é inimigo do ótimo e temos que mensurar as nossos possibilidades com mais assertividade, um texto inspirados do Eugênio, atemporal, mesmo sendo de 2012.

Espero que goste!




  






A ansiedade das escolhas Revista Vida Simples nº 114 01/01/2012 - Por Eugênio Mussak

– OK, então vamos esperar por sua escolha até amanhã de manhã. Pense bem antes de decidir.
Essa frase soou como uma ameaça. Eu tinha que decidir e não podia negar essa responsabilidade, pois corria o risco de perder tudo. Mas a escolha não era simples, pois, no fundo eu queria os dois. Um representava a liberdade,  a aventura, a alegria de viver. O outro significava a sabedoria, o conhecimento, o futuro. Como escolher entre dois conjuntos de valores tão importantes? Como optar por um e abrir mão do outro que eu também queria tanto? Por que o destino estava fazendo isso comigo? Ó mundo cruel…
Mas não teve jeito, pois eu sabia que se demorasse para decidir, ou não mostrasse firmeza em minha conclusão, não seria considerado maduro o suficiente para merecer nenhum dos dois, e acabaria tendo que me contentar com algum premio de consolação, e isso seria a pior coisa que poderia me acontecer naquela fase da vida. Então, armado de uma convicção artificiar, comuniquei minha decisão:
– Estão está bem, fico com a bicicleta! – e abri mão da enciclopédia.
Estávamos em véspera de Natal e eu tinha 11 anos. O que aconteceu naquela oportunidade foi uma espécie de iniciação à vida, que nada mais é do que uma sucessão de escolhas. Parece que a única escolha que não fizemos foi a de nascer, porque daí para frente, passada a primeira infância, começa nossa preparação para sermos responsáveis. Tem início o desenvolvimento de algo  chamado “consciência”, que, em última análise, é a autonomia para cuidar do destino, escolhendo os caminhos da vida. Amadurecer, descobri, é assumir responsabilidade por suas escolhas.
Eu queria muito aquela bicicleta. Qual é o garoto que não quer? Desejava sair por aí, com os colegas ou mesmo sozinho, deslocando-me com rapidez, sentindo o vento, conhecendo outros bairros da cidade. Mas também estava de olho na tal enciclopédia que, para mim, era uma espécie de passaporte para o conhecimento. Com a bicicleta poderia passear pela cidade – pensava – e com a enciclopédia poderia viajar pelo mundo.
Prevaleceu a liberdade do vento, e não das letras, como seria de esperar de alguém que mal encerrava a primeira década de vida. E aquela bicicleta me deu muita alegria, acredite. Nunca me arrependi da escolha, até porque mais tarde, em outro Natal, a enciclopédia veio, ainda que não tenha vindo o aparelho de som – outra escolha/troca.

                     



A tirania do “ou”
Um dos personagens mais explorados pela literatura alemã é o de um homem que fez uma escolha perigosa: Fausto. Ele foi inspirado em uma pessoa real, o médico Johannes Georg Faust, que viveu entre 1480 e 1540, e que era também estudioso de alquimia e magia. Sempre insatisfeito com o conhecimento disponível, ansioso por saber mais, acabou por dar origem a Fausto, que teve inúmeras interpretações na literatura germânica, sendo a mais conhecida a do mais importante escritor alemão, Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832).
A primeira parte da versão de Goethe foi publicada em 1806 e conta que Fausto, querendo superar os conhecimentos disponíveis na época, ambicioso pelo saber, acabou fazendo um pacto com um demônio, Mefistófeles. Durante 24 anos ele não envelheceria, experimentaria todos os prazeres e teria acesso a conhecimentos novos. Tudo isso em troca de sua alma, que passaria a ser posse do maléfico pela eternidade.
Fausto aceita, pois seu desejo de saber é superior a tudo. O que ele não contava é que se apaixonaria por Margarida e, ao ver chegar perto seu prazo, se vê obrigado a abandona-la. O mito faustico, em todas as versões, joga com a ideia da perda como subproduto da escolha. E esta perda pode ser desesperante, como no caso do personagem, ou pode ser, em sua versão mais humana, no mínimo, a causa de grandes ansiedades.
A ansiedade é, sim, um dos males da modernidade. Não há pessoa que não relate que é acometida, eventualmente, por uma “crise de ansiedade”, caracterizada por uma sensação de dúvida, incerteza, desconforto. A pessoa ansiosa gostaria de não estar onde está, ou pelo menos, gostaria de não estar vivendo a situação que lhe causa ansiedade, mas, por outro lado, sabe que não tem com evitar. Todos somos ansiosos, em graus maiores ou menores.
E a causa mais comum de geração de ansiedade atualmente é, como vimos, a necessidade de fazermos escolhas. Sim, pois a cada escolha você tem que sofrer com as renúncias que ela acarreta. Essa é a tragédia da escolha. O imperativo do “ou”. Ou isto ou aquilo, os dois não dá – explica a vida – e a gente aceita com resignação.

            




Escolher é trocar
A língua inglesa tem uma expressão que define bem a ansiedade da escolha: trade-off. Sem tradução literal, trade-offsignifica escolha, mas também significa troca. Em síntese, escolher significa trocar uma coisa por outra. Ao escolher a bicicleta, abri mão da enciclopédia. Foi uma troca e, convenhamos, a melhor que podia ter feito naquela ocasião. No ano seguinte troquei um aparelho de som novinho pela coleção de livros que esperei por um ano. E por aí vai.
Trade-off é uma expressão muito usada nas empresas, e faz parte do planejamento estratégico. Os empresários e executivos sabem que sempre há um preço a pagar. Em resultados terão que fazer investimentos. Se buscarem inovação terão que admitir alguns erros. Se optarem por economizar terão que reduzir os investimentos. Na economia do país, se a opção for pelo controle da inflação, sabe-se que a taxa de crescimento será menor. “Não há almoço grátis”, dizem os economistas. Trata-se de um postulado da economia que lança mão da obviedade que não dá para, ao mesmo tempo, comer a refeição e ficar com o dinheiro.
Um dos melhores exemplos de trade-off estratégicos é encontrado não na economia, mas no jogo de xadrez, e, neste caso, pode receber o nome de gambito, que não é, portanto, apenas o codinome das pernas finas.
Nesse jogo, gambito é o sacrifício de uma peça em troca de alguma vantagem, que pode ser outra peça ou espaço, desguarnecimento do adversário, linhas diagonais ou simplesmente tempo. O outro jogador pode aceitar ou refutar a oferta, pois sabe que há uma intenção por trás, uma espécie de jogada oculta. O Gambito do Rei é uma jogada em que o jogador de peças brancas oferece um peão logo no início do jogo e, aparentemente, desprotege o rei,  mas, na pratica, obtém uma liberdade de ações bem maior a partir disso, ganhando o domínio que vem da iniciativa. Tanto essa jogada quanto o Gambito da Dama são estratégias de quem sabe jogar, e não de iniciantes sem técnica nem equilibro emocional.
Na vida também é assim, mas é claro que há variações importantes. Todos os dias fazemos escolhas soft, cujos enganos não provocarão maiores consequências. Se você errar no prato no restaurante ou no filme na locadora, ou se escolher uma roupa leve em um dia em que faz frio, tudo bem, a encrenca não é tão grande assim. O complicado é errar nas escolhashard, como a profissão, os investimentos ou a pessoa com quem se casar e compartilhar a vida. Felizmente fazemos mais escolhas soft do que hard neste passeio pela vida.
A possibilidade do “e”
Mas nem tudo está perdido. Disse Einstein que nós não podemos resolver um problema usando o mesmo estado mental que o criou. É necessário buscar novas possibilidades, aceitar a existência de caminhos não vistos no primeiro olhar. E, nessa busca, sempre podemos contar com a possibilidade do “e” em vez do “ou”. A inclusão como alternativa à exclusão.
Nem sempre dá, mas não podemos descartar essa possibilidade, e até contar com ela. Aliás, há situações em que esta é a única saída. Voltando a falar dos economistas e dos pensadores no futuro da sociedade humana, há um tema que gera muita polêmica. Trata-se da disputa entre crescimento da economia e a sustentabilidade do planeta.
Os que pregam o crescimento econômico são acusados pelos ambientalistas de não se preocuparem com a sustentabilidade do planeta, e estes são chamados por aqueles de patrocinadores do atraso. Durma com um barulho destes. Felizmente existem cérebros atuantes, cientistas, estadistas, pensadores que afirmam ser possível promover desenvolvimento protegendo a Natureza. Desenvolvimento com sustentabilidade. Geração de riqueza preservação do meio ambiente.
Para isso, claro, temos que falar de coisas novas, como reflorestamento, reciclagem, eficiência, novos materiais, pesquisa pura e aplicada, consumo consciente. Novos modelos mentais. Como se vê, fazer a opção pelo “e” requer investimento, tempo e inteligência. É mais fácil escolher um, ignorar o outro e tentar dormir tranquilo.
A inclusão é a solução ideal, quando possível. Se não, é necessário escolher e arcar com todas as consequências que fazem parte do pacote. O direito de escolher é atributo do mundo livre, o que é muito bom, claro. Nos países totalitários, em que ditadores comandam tudo com mão de ferro, a população não tem que fazer muitas escolhas, porque o estado faz por elas.

Viver com liberdade aumenta a responsabilidade e a ansiedade, mas viver sem ela aumenta o sentimento de impotência e o resultado pode ser a tristeza e a depressão. Sinceramente, se este é o preço, fico com a ansiedade. E viva a liberdade de escolha.
Texto publicado sob licença da revista Vida Simples, Editora Abril.
Todos os direitos reservados.

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